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segunda-feira, 15 de agosto de 2011

PODER E POBREZA NAS GRANDES CIDADES


Coexistem dualidades paradoxais recorrentes quando se trata da pesquisa de grandes cidades: poder e pobreza, prover e operar, geoeconomia e geopolítica.
Santos (2008) inicia definindo o que é pobreza, que ele considera ser um termo de uso muito extensivo, quando o certo é admitir a dinâmica do termo, que pode adquirir três diferentes tipologias:
  • Pobreza acidental ou residual, estacional, intersticial: é uma desadaptação aos processos de mudança. Uma certa incompatibilidade entre as condições naturais e sociais. Nestes tempos o artificial era comandado pelo natural e a solução dos problemas era privada, local (pontual[1]), assistencialista. Era um acidente (anomalia) natural ou social e os pobres (e suas mazelas) se constituíam em uma preocupação moral para toda a sociedade;
  • Pobreza como doença da civilização: fase de transição entre o primeiro estágio e o atual, em que o Terceiro Mundo buscava imitar o Primeiro. Essa pobreza relativa (relativa em relação ao desejável!) foi produzida pelo ou com o processo econômico (capitalismo/globalização[2]), que passa a agregar novos (e perversos) componentes: o consumo, a circulação e a informação. Os índices de pobreza passam a circulam pela academia e preocupam os governos, que através de suas lideranças nacionais (sociedade política e sociedade civil), esconderam as favelas e os sinais de pobreza e não trataram de fato da resolução do problema, que deveria ter sido uma solução de Estado (política pública). A fome era localizada e os pobres eram chamados pelos especialistas (do governo e das universidades) de marginais (marginal: aquele que está à margem de algo). Os protestos não eram levados em conta porque vinham do lado contra-hegemônico;
  • Pobreza estrutural-globalizada: produção globalizada e científica da pobreza com apoio dos intelectuais, resultado de um sistema de ação deliberado, uma pobreza criada voluntariamente, fruto da divisão social do trabalho e um desemprego crônico (exército de reserva de mão-de-obra, segundo Marx) que permeia a sociedade capitalista/neoliberal e invalida o conceito de democracia vigente e aclamado como sentido político do mundo contemporâneo. A pobreza agora é generalizada, global, racional; o resultado de um planejamento centralizado que a legitima, um fenômeno natural fruto de um discurso hegemônico que soa generoso, mas, em verdade, é perverso, que não chega a ser materializar, que nunca se torna prática.
O governo global (sistema capitalista) naturalizou a pobreza com a colaboração dos governos nacionais e de intelectuais contratados. Cessa a preocupação com os pobres dada a naturalidade da pobreza – a impressão é que sempre foram/serão pobres. É a racionalidade do mercado global, que é um termo tão abstrato quanto governo global, distante, incompreensível para a maioria das pessoas.
Pobreza e território se internacionalizaram (globalizaram). Muito diferente de política social, política pública são fragmentações, soluções não-estruturais elencadas para o enfrentamento de problemas estruturais, que tratam apenas da aparência e não da essência. São paliativos, atenuadores da pressão social e do clamor popular que afasta a possibilidade da orquestração de um projeto de nação (pacto social), coerente com as demais políticas. Conforme Santos (2008, p. 18), a globalização coloca-se como um impeditivo a esse projeto social e seus promotores ensaiam um discurso semi-alfabetizado, recheado de tecnologias e redes (conexões e modernidades), que encobre e evita o discurso competente, coerente, aberto.
Milton Santos mostrasse inconformado com a situação em que o mundo se encontra, pois as técnicas tão avançadas disponíveis poderiam bem configurar um outro quadro, mais humano, mais democrático. Mas o fatalismo da globalização é paradoxal e contrastante, mas condiz com a lógica acachapante do capitalismo neoliberal, que cria e desenvolve técnicas, mas não as socializa (Santos, 2008, p. 18). Técnicas são sempre sóciotécnicas, isto é, imbricadas à humanidade. Parte da solução repousa em vermos como as tecnologias do presente estão construindo um mundo de milhões (até bilhões) de excluídos – pessoas, empresas e instituições e matando a esperança, a generosidade.
Tida como uma qualidade desejável ao homem contemporâneo, a flexibilidade é uma atitude ou um comportamento exigido unilateralmente, obviamente, do trabalhador, que sobrevive em um mundo tão rigidamente comandado na sua atividade econômica e política. Até a desregulação é produzida por normas. Anunciou-se, com o advento do neoliberalismo e da Teoria do Estado Mínimo, a “morte” do Estado (Santos, s/d, p. 9), quando o que se vê de fato é o seu fortalecimento parcial para atender de pronto aos interesses do capital, dotando os países com a infra-estrutura necessária para a instalação de filiais e unidades de produção dos grandes conglomerados.
Há de ser ler com cuidado na leitura dos autores (na entrelinhas, as intenções, o que está implícito) e nesse momento, a ignorância da maioria é fundamental. Mas o efeito pode ser reverso e a ignorância é sempre um bom ponto de partida para as descobertas. E se alguém possui predisposição para a descoberta, para a mudança, são os pobres, os migrantes (os desfavorecidos, as minorias, os lentos), porque os ricos estão instalados em seus confortos, não tendo o que mudar, pois segundo Milton Santos, “pensar é mudar” (2008, p. 19).  Estes últimos não desejam a mudança e não a incentivam.
Quanto à cidade global (ou aldeia global), Milton Santos (2008, p. 19) aborda duas visões: [1] a visão dos que anseiam pela globalização das cidades, que devem submeter-se às exigências de poucas e grandes empresas e alguns proprietários dos meios de produção (capitalistas); [2] outra visão diz que toda cidade global é, ao mesmo tempo, local e nacional, principalmente no Terceiro Mundo, composto por países periférico-capitalistas – submissos, portanto. Há uma hierarquia, uma lógica: cidades nacionais se convertem em cidades globais, cidades industriais em cidades de serviços. Metrópole global é aquela que participa diretamente da produção dos fluxos, que tem visão global (é o centro das decisões).
Ainda sobre a questão do território, que é, para Milton Santos (2008, p.19), “extraordinariamente fundamental” depois que os homens passaram a produzir intencionalmente cada vez mais, resultando em rentabilidade, alta produtividade e competitividade. A cidade é um território – e isso tem sido negligenciado pelos estudos sobre natureza urbana (realizados pelos intelectuais a que se referiu Milton Santos anteriormente). O produto metropolitano da globalização é chamado por Milton Santos de “involução metropolitana”, um fenômeno paralelo à globalização.
Hoje a produção ocorre em um “meio técnico, científico e informacional” e o território é ocupado perifericamente, de forma dispersa. As indústrias deixam a cidade, que está materialmente velha. A cidade envelheceu depressa demais por conta da tecnologia que cria novas soluções ininterruptamente: produtos, serviços, aplicativos, reordenamentos, revitalizações. Tal como um ser vivo, a cidade envelhece e morre – uma morte social (Santos, 2008, p. 20).
Para Milton Santos (2008, p. 20), a cidade, caótica e moribunda, tornou-se irracional. Seu domínio, o campo, manteve-se racional. As indústrias cumprem agora um êxodo cidade-campo e as cidades são obrigadas a recriar sua economia, tornando-se ainda mais fortes. As metrópoles informacionais – aquelas que concentram os empregos diretivos em na mão de um número reduzido de pessoas – passam a oferecer muitas vagas de emprego em suas periferias, que são áreas envelhecidas (e não velhas!) e, portanto, desprezadas pela elite hegemônica. O envelhecimento é moral e depende da política governamental (submissa ao capital) e não da técnica. 
O capital se beneficiou da divisão internacional do trabalho, mas quem a permitiu foi o Estado, que municiou as empresas com informação estratégica, logística e acordos espúrios. De certa forma a cidade resiste à globalização, porque dentre os pobres, estão os imigrantes, que são questionadores, não se adaptam assim tão fácil à realidade desfavorável, pensam (“quem pensa, muda”). Já os moradores urbanos de algum tempo, os nativos, da classe média se conformam com o que está posto. Os pobres são então uma boa alternativa para a mudança de um mundo em que a informação é portadora da racionalidade cruel, ignora a emoção e retarda a produção de ideias; um mundo em que a comunicação é atemporal e síncrona; um mundo que admite a mistura dos povos, o fim das fronteiras, a tolerância, a mistura de “filosofias”, a unificação de mercados e moedas; um mundo em que a população está aglomerada em áreas cada vez maiores (grandes densidades), resultando em massas humanas com mais qualidade – uma sociodiversidade bem mais significativa que a biodiversidade (Santos, s/d, p. 10), tão valorizada pela mídia e pelos países do Primeiro Mundo.

 (Seminário baseado nas ideias de Milton Santos e elaborado para a disciplina de Geografia Urbana sob orientação da Profª. Drª. Mara Falconi pelos alunos do 2º ano Aroldo, Rafael, Carlos, Tito e Cícero)

Santos, Milton. O futuro das megacidades: dualidade entre o poder e a pobreza. Cadernos Metrópole, nº 19, p. 15-25, 2008.
 
[1] Os grifos em negrito e entre parênteses são do grupo. Seguem ao longo de toda a parte escrita do seminário e não serão mais sinalizados em notas de rodapé.
[2] Globalização segundo Milton Santos é o ápice da internacionalização do mundo capitalista. O mesmo que mercado global (Fonte: Por uma outra globalização).

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